terça-feira, 29 de junho de 2010

A condenação do Cristo marxista

Que estranhos desígnios inspiraram o "L'Osservatore Romano" a atacar,em editorial, o escritor José Saramago, falecido recentemente na Espanha? Chamá-lo de populista extremista, que se referia "com comodidade a um Deus no qual jamais acreditou por considerar-se todo poderoso e onisciente" não revela apenas uma atitude fria e inflexível com um humanista ateu. Vai além. Reforça apreensões em relação aos objetivos políticos do Vaticano e suas consequências éticas.

Se a eleição do cardeal Ratzinger como supremo pontífice da Igreja Católica constituiu um acontecimento cuja gravidade poucos subestimaram, a superação integrista das contradições do Concílio Vaticano II já se delineava claramente no pontificado de seu antecessor, João Paulo II, quando as bases sociais da Teologia da Libertação foram firmemente atacadas.

Em 1983, ao visitar a América Central, suas homilias mantiveram fina sintonia com o projeto do governo Reagan para a região. Em Manágua, o papa não apenas não correspondeu às expectativas do povo nicaraguense de condenação clara às agressões incentivadas pelo imperialismo estadunidense, como também deu ênfase ao que mais dividia o governo sandinista e a hierarquia eclesiástica, à época: o da fidelidade dos sacerdotes e religiosas à igreja e à exigência de não participarem na responsabilidade da gestão governamental. Uma declaração de guerra aos partidários de um cristianismo progressista. Reafirmação classista de uma instituição multissecular.

Na Guatemala, um dos países em que a repressão dos governos militares fez mais vítimas entre os religiosos, João Paulo II não só visitou o presidente Ríos Montt, conhecido por ordenar massacres contra a oposição, como permitiu que o general lhe pedisse o afastamento de sacerdotes da política. Nos discursos papais não houve qualquer protesto contra fuzilamentos sistemáticos; apenas menções genéricas a Direitos Humanos. O Cristo do Vaticano, ao contrário do de Saramago, não deu ouvido a comunidades indígenas e camponesas tratadas como estrangeiras em seus próprios países.

Embora saiba muito bem que estão implícitas, na violência que se expande, a questão do poder, dos interesses econômicos nacionais e internacionais, além das considerações geopolíticas, o Jesus do "L'Osservatore" ignora que a promessa anunciada só se efetivará provocando uma transformação radical da condição social do homem. No livro de Saramago, Jesus, filho de José e amante de Madalena, vive a Paixão dos novos sujeitos. Seu sacrifício é a labuta das populações negras, o sofrimento das índias e o sangue camponês que jorra nos latifúndios.

A coexistência de um papado ultra-reacionário com governos de extrema-direita, como foi o de Bush, implica uma luta mundial de idéias que, não duvidem, será muito intensa. A crítica a uma religião de mercado, que exige o sacrifício de vidas humanas e o aniquilamento de natureza é a batalha da esquerda de nosso tempo. 

Nessa guerra, ao contrário do que afirma o Vaticano, o Cristo de Saramago é aliado fundamental. Nas páginas do "Evangelho segundo Jesus Cristo", a grande heresia não está no fato de o personagem pedir perdão pelos pecados de Deus. O que o Vaticano não pode perdoar é a denúncia corajosa a um cristianismo imperial e colonialista. Um sistema de crenças que, para validar a opressão, necessita de uma metafísica negativa sobre os homens e sua história.

Saramago provocou a ira da cúpula da Igreja Católica ao reafirmar a modernidade e os valores de igualdade e liberdade. Foi isso que seu Cristo Marxista proclamou. Não de maneira idílica, mas de forma dialética, como reafirmação de vidas que devem transcender a si mesmas, eliminando práticas e relações que geram opressão e miséria.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Um retrato da partidarização da mídia brasileira

No último fim de semana, a imprensa veiculou declaração do presidente Lula sobre a diferença de cobertura que a Globo deu às convenções do PSDB e do PMDB que escolheram os candidatos que os partidos apoiarão na disputa pela Presidência da República. 


Diante da gritante desproporção entre os tempos dispensados pelo Jornal Nacional para as convenções que escolheram Serra e Dilma, Lula disse – sem citar a Globo – que veículos que tivessem preferências partidárias deveriam assumi-las para que o eleitor de Dilma mudasse de canal quando aquele veículo estivesse fazendo campanha.


A Globo acusou o golpe e deu amplo espaço, em seu último programa dominical “Fantástico”, para a convenção do PT. Devo dizer que foi uma cobertura correta, equivalente à de Serra.


Fica cada vez mais claro, portanto, que a Globo – e a Folha,o Estadão, a Veja e os seus tentáculos na imprensa nacional – não pretende assumir sua opção eleitoral coisa nenhuma, pois acredita que a imagem de isenção é a que melhor favorece o sucesso de sua campanha dissimulada para José Serra.


Contudo, basta uma rápida lida nos jornais da coalizão tucana para detectar a enorme diferença de tratamento que é dado aos dois grupos políticos e, sobretudo, aos seus candidatos a presidente.


Para Lula, Dilma e o PT abundam termos e expressões pejorativas, julgamentos de valor sem qualquer base factual, oriundos apenas de opiniões e preferências. Para Serra, uma maioria gritante de elogios e raríssimas críticas, além de repetitivo endosso às teses tucanas.


Vejam, por exemplo, o que se pode extrair rapidamente dos jornais desta segunda-feira. Depois, que cada um procure coisa semelhante em relação a Serra nos mesmos veículos. Ao fim, que se tire as conclusões inevitáveis sobre essa fantasiosa isenção que a imprensa se atribui.
Correio Brasiliense
  • Na oficialização da candidatura de Dilma à Presidência, PT “desbota” o vermelho das bandeiras e direciona o discurso para o público feminino, ainda resistente ao nome da ex-ministra de Lula
  • Lula, sombra indispensável
  • Serra arregaça as mangas
  • Serra foi bastante aplaudido
O Estado de São Paulo
  • · Presidente domina festa de oficialização da candidatura da ex-ministra
  • Dilma fez um discurso de 50 minutos, mas não empolgou os militantes.
  • Ainda sem entusiasmar a plateia, que soltava tímidos aplausos, Dilma comparou o Brasil de gestões passadas
  • Ao defender um governo de coalizão, Dilma parecia à vontade ao lado dos novos aliados – desafetos do PT num passado não muito distante, como o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP)
  • Dilma é candidata por falta de opção
  • O PT continua sendo o partido dos pobres, mas não da ética
  • Ao discursar, o presidente disse que mudou de nome nesta eleição, para Dilma. E que ela o representará na urna eletrônica. Só falta agora Lula ir à TV e, ao melhor estilo Enéas, bradar: “Meu nome é Dilma.”
  • O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofuscou a ex-ministra na convenção de ontem
  • Presidente Lula empata com Figueiredo [último ditador militar]
O Globo
  • · Dilma acabou ofuscada pela desenvoltura do presidente no palanque
  • Serra se beneficia daquilo que a população enxerga como a grande obra de FHC – o fim da hiperinflação – e mais ainda da sua notável gestão à frente da Prefeitura e do Estado de São Paulo
  • A população parece querer mais do que apenas manter conquistas importantes
  • Não nos deixemos enganar pela visão equivocada de que o País está muito bem, que é só pisar o pé no acelerador, manter as políticas atuais e em breve seremos uma potência mundial.
  • Ao se colocarem a serviço direto, sem disfarces, da candidatura de Dilma Rousseff à presidência, a infração menos grave que as centrais sindicais cometeram foi a “antecipação” da campanha
  • Ninguém é insubstituível. A alternância está no DNA da democracia. Lula tem méritos? Inúmeros. Mas sua maior grandeza, seu genuíno serviço, seria a renúncia ao projeto pessoal de perpetuação no poder.
  • A cúpula do PSDB vem cobrando explicações do PT sobre a elaboração de um dossiê contra seu candidato à Presidência, José Serra
  • Jingle associando a candidata à palavra “coroa” gera protesto de militantes do movimento de mulheres
  • Na área externa do salão [da convenção do PT], uma barraquinha vendia DVDs piratas
Valor Econômico
  • O Brasil pode estar ganhando respeito no front econômico, mas quanto à liderança geopolítica, Lula acaba preservando imagem de país ressentido e com complexo de Terceiro Mundo
  • O Brasil ainda não está pronto para ter um lugar de destaque nos círculos internacionais
  • Lula está prejudicando a reputação do Brasil em nome de sua própria gratificação política.
  • No mais contundente discurso político desde o início da pré-campanha à Presidência da República, José Serra foi oficializado candidato do PSDB acusando o governo de desdenhar a democracia, menosprezar o Estado de Direito, intimidar a imprensa, sustentar “organizações pelegas” e tentar aniquilar a oposição “pelo uso maciço do aparelho e das finanças do Estado”. Os adversários foram classificados de “neo-corruptos”.
Folha de São Paulo
  • À sombra de Lula, Dilma promete “alma de mulher”
  • No final de seu discurso, Lula lembrou que pela primeira vez, desde 1989 (…)Foi como uma cena de sexo explícito (…) Dilma apenas sorria, empetecada
  • Depois que Serra o comparou a Luís 14, Luiz da Silva à sua maneira responde: Dilma sou eu! Expôs ao mesmo tempo a força da candidatura e a fragilidade da candidata.
  • Dilma tomou a palavra. Fez um discurso tecnocrático, modorrento, sem ênfases ou graça. A plateia se dispersou e cochichava bastante.
  • Se o projeto petista fosse um filme de Hollywood, James Cameron poderia ser o diretor. O roteiro teria Lula enviando seu avatar para a campanha.
  • Sobre Dilma governar “com o nosso amor”, a frase é incompleta. Haveria mais rigor num verso falando em administrar o país “com o nosso amor, e também com Sarney, com o PP de Maluf, o PMDB e seu apetite por cargos e com o PR de Valdemar Costa Neto”.
  • Lula zarpou do evento assim que Dilma encerrou sua fala para não dividir holofotes com a candidata.
  • A campanha de Dilma tenta organizar um convescote para que ela assista à estreia do Brasil na Copa
  • A campanha de Dilma Rousseff usou ontem um logotipo que lembra o utilizado na campanha de Barack Obama
  • Lula sabe que Dilma está longe de empolgar
  • O discurso de Dilma foi longo, ainda num tom monocórdico, deixando a militância sonolenta.
  • Num encontro previsível, com uma militância comportada e ensaiada, o roteiro buscou fazer de Dilma a personagem principal do evento.
  • Lula vai grudar sua imagem mais do que nunca em Dilma. Tanto que o eleitor realmente pode votar na petista pensando estar dando ao presidente um terceiro mandato.
  • Enquanto Dilma discursava, Lula conversava com sua mulher, Marisa Letícia. Chegou até a bocejar.
  • O tom enfadonho de Dilma ganhará ares de entusiasmo
Tudo que você leu é apenas parte dos ataques renitentes que a grande imprensa dedica a Dilma, a Lula e ao PT todo santo dia há anos e anos. São deboches, ilações, suposições, fofocas e mentiras, muitas mentiras.
A campanha de Dilma está sempre em crise, ela é apresentada o tempo todo como uma marionete sem cérebro e Lula, como um criminoso que estupra a lei seguidamente e que é capaz de qualquer coisa para eleger a sucessora.
Já sobre Serra, pouco se encontra nos jornais, nas tevês etc. É muito raro ler alguma fofoca ou deboche, a não ser quando reproduzido em falas dos adversários, sempre mostrados como desleais. Sua campanha dificilmente sofre alguma crise (na mídia).
Entre Lula e FHC, são dezenas de vezes por dia, há quase oito anos, que a mídia atribui os sucessos do primeiro ao que o segundo teria plantado, apesar de ter entregue um país escangalhado ao sucessor e de ser repudiado pela maioria esmagadora dos brasileiros.
Enfim, todos os dias, enquanto se diz isenta, a mídia dá reiteradas e fartas provas de seu partidarismo desabrido pró PSDB e, sobretudo, pró Serra. Em minha opinião, negar esse partidarismo só serve para fixar mais na cabeça do eleitor o que é um fato inegável.
No fim deste ano, quando o novo presidente – ou a nova presidenta – já for conhecido, talvez, então, esses impérios de comunicação comecem a dar bola para o que disseram pessoas como eu, que só esses impérios – e seus asseclas – não percebem como seu partidarismo é gritante.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O Capitalismo

O capitalismo tem legiões de apologistas. Muitos o são de boa fé, produto de sua ignorância e pelo fato de que, como dizia Marx, o sistema é opaco e sua natureza exploradora e predatória não é evidente aos olhos de mulheres e homens. Outros o defendem porque são seus grandes beneficiários e amealham enormes fortunas graças às suas injustiças e iniqüidades. Há ainda outros (‘gurus’ financeiros, ‘opinólogos’ e ‘jornalistas especializados’, acadêmicos ‘pensantes’ e os diversos expoentes desse "pensamento único") que conhecem perfeitamente bem os custos sociais que o sistema impõe em termos de degradação humana e ambiental. Mas esses são muito bem pagos para enganar as pessoas e prosseguem incansavelmente com seu trabalho. Eles sabem muito bem, aprenderam muito bem, que a "batalha de idéias" para a qual nos convocou Fidel é absolutamente estratégica para a preservação do sistema, e não aplacam seus esforços.

Para contra-atacar a proliferação de versões idílicas acerca do capitalismo e sua capacidade de promover o bem-estar geral, examinemos alguns dados obtidos de documentos oficiais do sistema das Nações Unidas. Isso é extremamente didático quando se escuta, ainda mais no contexto da crise atual, que a solução dos problemas do capitalismo se consegue com mais capitalismo; ou que o G-20, o FMI, a Organização Mundial do Comércio e o Banco Mundial, arrependidos de seus erros passados, poderão resolver os problemas que asfixiam a humanidade.

Todas essas instituições são incorrigíveis e irreformáveis, e qualquer esperança de mudança não é nada mais que ilusão. Seguem propondo o mesmo, mas com um discurso diferente e uma estratégia de "relações públicas" desenhada para ocultar suas verdadeiras intenções. Quem tiver duvidas, olhe o que estão propondo para "solucionar" a crise na Grécia: as mesmas receitas que aplicaram e continuam aplicando na América Latina e na África desde os anos 80!

A seguir, alguns dados (com suas respectivas fontes) recentemente sistematizados pelo CROP, o Programa Internacional de Estudos Comparativos sobre a Pobreza, radicado na Universidade de Bergen, Noruega. O CROP está fazendo um grande esforço para, desde uma perspectiva crítica, combater o discurso oficial sobre a pobreza, elaborado há mais de 30 anos pelo Banco Mundial e reproduzido incansavelmente pelos grandes meios de comunicação, autoridades governamentais, acadêmicos e "especialistas" vários.

População mundial: 6.800 bilhões, dos quais...

* 1,020 bilhão são desnutridos crônicos (FAO, 2009)

* 2 bilhões não possuem acesso a medicamentos (http://www.fic.nih.gov/)

* 884 milhões não têm acesso à água potável (OMS/UNICEF, 2008)

* 924 milhões estão "sem teto" ou em moradias precárias (UN Habitat, 2003)

* 1,6 bilhão não têm eletricidade (UN HABITAT, "Urban Energy")

* 2,5 bilhões não têm sistemas de drenagens ou saneamento (OMS/UNICEF, 2008)

* 774 milhões de adultos são analfabetos (http://www.uis.unesco.org/)

* 18 milhões de mortes por ano devido à pobreza, a maioria de crianças menores de 5 anos (OMS).

* 218 milhões de crianças, entre 5 e 17 anos, trabalham precariamente em condições de escravidão e em tarefas perigosas ou humilhantes, como soldados, prostitutas, serventes, na agricultura, na construção ou indústria têxtil (OIT: A eliminação do trabalho infantil: um objetivo ao nosso alcance, 2006).

Entre 1988 e 2002, os 25% mais pobres da população mundial reduziram sua participação na renda global de 1,16% para 0,92%, enquanto os opulentos 10% mais ricos acrescentaram mais às suas fortunas, passando de dispor de 64,7% para 71,1% da riqueza mundial. O enriquecimento de uns poucos tem como seu reverso o empobrecimento de muitos.

Somente esse 6,4% de aumento da riqueza dos mais ricos seria suficiente para duplicar a renda de 70% da população mundial, salvando inumeráveis vidas e reduzindo as penúrias e sofrimentos dos mais pobres. Entenda-se bem: tal coisa se conseguiria se simplesmente fosse possível redistribuir o enriquecimento adicional produzido entre 1988 e 2002 dos 10% mais ricos. Mas nem sequer algo tão elementar como isso é aceitável para as classes dominantes do capitalismo mundial.

Conclusão: se não se combate a pobreza (que nem se fale de erradicá-la sob o capitalismo) é porque o sistema obedece a uma lógica implacável centrada na obtenção do lucro, o que concentra riqueza e aumenta incessantemente a pobreza e a desigualdade sócio-econômica.

Depois de cinco séculos de existência eis o que o capitalismo tem a oferecer. O que estamos esperando para mudar o sistema? Se a humanidade tem futuro, será claramente socialista. Com o capitalismo, em compensação, não haverá futuro para ninguém. Nem para os ricos e nem para os pobres. A frase de Friedrich Engels e também de Rosa Luxemburgo, "socialismo ou barbárie", é hoje mais atual e vigente do que nunca. Nenhuma sociedade sobrevive quando seu impulso vital reside na busca incessante do lucro e seu motor é a ganância. Mais cedo que tarde provoca a desintegração da vida social, a destruição do meio ambiente, a decadência política e uma crise moral. Ainda temos tempo, mas já não tanto.

Atilio A. Boron é diretor do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia em Ciências Sociais, Buenos Aires, Argentina.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Oliver Stone e suas entrevistas

Olá queridos.. abaixo uma entrevista do diretor Oliver Stone ao UOL sobre seu novo filme ( Ao Sul da Fronteira), que é um documentário que trata da geopolítica da América do Sul. Mais abaixo um vídeo com uma entrevista na qual ele fala sobre a candidata Dilma.


UOL Cinema - Por que decidiu fazer um filme sobre a geopolítica sul-americana? Quando teve essa ideia pela primeira vez
Oliver Stone - Eu sempre me interessei pela América Latina. Fiz "Salvador" (1986), sobre a Guerra na América Central, em El Salvador. Visitei muitos países [da região] ao longo desses anos. Fiz "Comandante"(2003), sobre Fidel [Castro], com uma hora e meia, deu muito trabalho. Depois, eu fiz "Looking for Fidel" e, agora, "Ao Sul da Fronteira". É uma série de seis documentários nos quais estou trabalhando. Tenho mais dois: um terceiro filme sobre Castro, agora na velhice, e também um grande projeto chamado "Secret History of United States", com dez horas de duração, para a televisão americana, que sai no início do próximo ano. Estou preocupado com o mundo e com a busca da verdade. O documentário é apenas uma parte da minha carreira. E a ficção, o drama com atores, é outra. Tento dividí-las porque essa é uma grande história, "Ao Sul da Fronteira". É uma história imensa, que os americanos não conhecem. Eles não sabem nada sobre isso. Eles ouvem uma versão completamente falsa sobre [o presidente venezuelano Hugo] Chávez nos meios de comunicação americanos. Eles não sabem nada sobre a Argentina, não sabem sobre a disputa de Nestor Kirchner contra o Fundo Monetário Internacional na América do Sul - [os argentinos] promoveram grandes mudanças no modo como fazem negócios. Não sabem que a Bolívia quer seus próprios recursos, sobre o Equador. Não sabem nada a respeito disso. Só sabem sobre a Colômbia e o México como [focos da] guerra contra as drogas.É tudo o que sabem. E é muito triste para mim que tenham essa imagem da América do Sul.

UOL Cinema - Uma das principais críticas em torno do filme aqui no Brasil é de que "Ao Sul da Fronteira" traz uma visão pronta, quase uma tese.
Oliver Stone - É claro que vão dizer isso. O filme vai ser politicamente criticado. São meios de comunicação muito fortes e poderosos. Se ficar estabelecido que eles não gostam de Chávez ou de Lula, certamente perseguirão o filme, é inevitável. Não posso me importar com isso. O filme é destinado aos 80% de pessoas que não são representados nesse tipo de filme, os 80% que foram beneficiados pelas políticas desses novos líderes. E por falar nisso tivemos uma tremenda exibição do filme em Cochabamba, na Bolívia, com seis mil pessoas. Nunca na minha vida estive numa sala com seis mil pessoas vibrando e aplaudindo. E também na Venezuela, com três mil pessoas. É algo para ser visto. É preciso entender que os filmes existem para as pessoas. E elas meio que ficam enterradas, escondidas. Especialmente os pobres, que não são ouvidos. E esses líderes representam uma mudança.

UOL Cinema - Os críticos acusam o filme de não ouvir o outro lado. Mas existe também uma confusão em torno do que é documentário e o que é tele-jornalismo.
Oliver Stone - Tive esse problema durante anos. Fiz o retrato de [Fidel] Castro, que nunca niguém entrevistou do jeito que o entrevistei. Nunca ninguém viu o lado íntimo, o lado mais próximo, de Castro da maneira como mostramos. E fui criticado por não ter [produzido] um documentário político mostrando suas falhas. Eu nunca teria contado essa história se não tivesse chegado até lá e ganhado sua confiança. Você está certo, eles querem jornalismo, mas também acho o jornalismo falso, por que nos dá uma falsa dualidade. Por exemplo, a BBC vai até a Venezuela para fazer um documentário sobre Chávez. E só pergunta sobre coisas ruins, nunca nem uma vez nada positivo. [Risos]. A verdade é que a economia da Venezuela estourou depois da tomada da companhia de petróleo, até a recessão de 2009, subiu em níveis de mais de 60%. A mesma coisa com a Argentina, que fez tudo errado. Eles foram contra o Fundo Monetário Internacional e, ainda assim, a economia deles ficou louca. Foi muito bem. Essas coisas, muito americanos e, menos ainda, muitos sul-americanos não sabem, não reconhecem e não querem [reconhecer]. É muito rígido aqui, um sistema muito estranho. Porque os meios de comunicação na Venezuela são tão eloquentes e todos os veículos são privados. No Brasil, na Venezuela, na Argentina. Grandes cadeias, grandes famílias, eles são como os oligarcas. Eles são donos dos meios de comunicação, das emissoras de televisão. E eles os usam para interesse o próprio. E eles mentem. E o Departamento de Estado americano concorda com eles porque querem controlar a região e o fazem. Eles fazem isso há 150 anos. O Departamento de Estado fornece o material e os meios de comunicação americanos, as emissoras e as agências publicam as histórias sobre todas essas pessoas. Até mesmo Lula, que era [visto como] a "boa esquerda" sul-americana, agora é visto como a "má esquerda" por causa de sua posição a respeito do Irã, o que mostra quão louca é essa situação. Novamente, falando sobre sanções contra o Irã, o mundo nunca vai chegar a um estado de paz enquanto tivermos essas posturas ideológicas rígidas dos meios de comunicação. Eles estão matando a possibilidade de negociação e consenso.

UOL Cinema - Algo mudou em sua visão sobre esses líderes depois que os encontrou? Falo especificamente de Hugo Chávez e o presidente Lula.
Oliver Stone - Não. Não fiz isso baseado em ideias pré-concebidas. Não acredito mais nos meios comunicação americanos. Tive minhas próprias experiências com eles. E acho que eles foram tão negativos em relação a Chávez que nem mencionaram os outros países. Você vai e volta e quando fui a Venezuela vi um outro país. Aliás, além disso, o filme não é sobre Chávez. Falei de outros países até para ter outras pessoas falando. O filme tem que falar por si só. Fico impressionado com o fato de que as pessoas dizem que não há críticas no filme. Francamente, há um bocado de críticas a eles [os presidentes] no filme, se olhar mais atentamente. Mas essas pessoas nunca parecem satisfeitas. Há muita crítica ao governo de Chávez no filme, tanto por parte dos americanos quanto dos colaboradores dos americanos na Venezuela.